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GAFANHAS — O espaço que hoje habitamos

(Mapa) - Registo feito por Mons. João Gaspar

O espaço que hoje habitamos, com mar e ria a limitá-lo na sua grande parte, não é de sempre. Observando mapas e lendo registos fica-nos a certeza de que o mar foi dono das atuais Gafanhas.
A restinga de areia que se formou ao longo de 25 séculos, protegendo-nos dos avanços e ataques do oceano, foi criando condições capazes de atrair pessoas habituadas a enfrentar dificuldades, muitos séculos depois.
Orlando de Oliveira avança com a certeza de que a laguna vem do tempo da fundação da nacionalidade. «Podemos dizer com orgulho que a Ria de Aveiro e Portugal se formaram ao mesmo tempo. Nasceram simultaneamente por alturas do século XII e poderíamos dizer, fantasiando um pouco, que, enquanto os nossos primeiros Reis e os seus homens iam dilatando as terras peninsulares, a Mãe-Natureza ia conquistando ao mar esta joia prodigiosa que generosamente viria ofertar às nossas terras alavarienses.» (1)
Sublinhe-se que a língua de areia que inclui as nossas praias, estendendo-se até à Vagueira, esteve dependente administrativamente do concelho de Ovar. Com a abertura da Barra, em 3 de abril de 1808, as companhas da xávega, que até aí operavam em S. Jacinto, voltaram-se para os areais da futura Costa Nova do Prado, por dificuldades de acesso para o outro lado do canal. Costa Nova, por oposição à costa velha de S. Jacinto. (2)
Pescadores, comerciantes de pescado, proprietários das companhas e outras gentes ali se foram fixando. E por decreto de 24 de outubro de 1855 a posse administrativa passa para Ílhavo.
O Padre João Vieira Rezende, primeiro prior da Gafanha da Encarnação, diz: «Denomina-se Gafanha toda a região arenosa dos concelhos de Ílhavo e Vagos com cerca de 25 quilómetros de comprimento por 5 de largura, abraçada do norte ao sul (lado poente) pelo rio Mira e do norte ao sul (lado nascente) pelo rio Boco, afluentes da Ria-de-Aveiro, e confinando ao sul com uma linha que, saindo dos Cardais de Vagos, vai fechar ao norte do lugar do Poço-da-Cruz, freguesia de Mira. Pela identidade da sua origem, topografia, condições de vida, costumes, etc., consideramos como uma continuação da Gafanha a duna situada naqueles dois concelhos, entre o Oceano e a Ria.» (3)
Entretanto, a Barra e Costa Nova, separadas das Gafanhas pelo Canal de Mira, passaram a estar incluídas, respetivamente, nas freguesias das Gafanhas da Nazaré e Encarnação, aquando da sua criação.» (4)
O Canal de Mira foi palco, entre 1918 e 1920, de uma operação de grande vulto para a época, destinada a abrir passagem para o oceano do Vapor Desertas, que havia encalhado ao sul da Costa Nova, em 18 de novembro daquele primeiro ano. Nessa operação, muitos dos nossos antepassados foram trabalhadores de pá e enxada na abertura de um canal por onde haveria de passar o vapor, via
Canal de Mira, até ao Atlântico. Com essa operação, o canal foi-se alargando quase até aos nossos dias.
No limite sul, a Mata da Gafanha forma uma barreira que se estende da parte norte da Gafanha da Nazaré até à Gafanha da Boa Hora, tornando-se,
indiscutivelmente, um ex-líbris da nossa região. O padre João Vieira Rezende diz que «A sementeira do penisco, começada a norte em 1888, tem sido muito morosa, ultrapassando somente depois de 1939 o sítio da capela de N. Senhora-da-Boa-Hora. Hoje [1944] está ligada com a Mata de Mira». (5)  Serviu para defesa dos terrenos agrícolas que lhe ficavam a Sul, sendo, presentemente, como desde a sementeira do penisco, o pulmão do nosso concelho.
Os trabalhos da sementeira, como se compreenderá, necessitaram de mão de obra de muitos gafanhões, e não só, tal como aconteceu com o projeto e construção da Colónia Agrícola da Gafanha, em meados do século XX. (6)
Na Mata da Gafanha há diversos equipamentos sociais, culturais, empresariais, religiosos e desportivos, a par de ruinas de casas de campo típicas da antiga Colónia Agrícola, inaugurada em 8 de dezembro de 1958.(7) Muitas dessas casas de habitação foram, entretanto, modificadas e adaptadas ao viver atual. De todas as instituições, destacamos apenas algumas, nomeadamente, o Movimento de Schoenstatt, os Complexos Desportivos, as Piscinas Municipais, a EMER – Escola Municipal de Educação Rodoviária, os parques de merendas, cemitérios, etc.

Fernando Martins

Fonte: “Ílhavo Terra Milenar”

(1) OLIVEIRA, Orlando — Origens da Ria de Aveiro, Câmara Municipal de Aveiro, 1988
(2) FONSECA, Senos da — Ílhavo, Ensaio Monográfico, séc. X ao séc. XX
(3) REZENDE, João Vieira, Monografia da Gafanha, 1944
(4) Gafanha da Nazaré (1910) e Gafanha da Encarnação (1926)
(5) REZENDE, João Vieira — obra citada
(6) Ver Gafanha da Nazaré
(7) MARTINS, Fernando — Gafanha da Nazaré – 100 anos de vida, Paróquia da Gafanha da Nazaré, 2010

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